Hoje é daqueles dias em que tenho muito a agradecer. Um ano atrás eu acordava na cama de um Hospital me preparando psicologicamente para entrar na mesa de cirurgia. Era uma segunda feira, pós dia dos pais. Eu havia dado entrada na Casa de Saúde São José na noite anterior. A noite do meu primeiro dia dos pais com a Gabi completando um ciclo de 3 meses de gestação.
Aqueles foram dias bem intensos. Poucas semanas depois que descobrimos que a Gabi estava vindo, numa manhã de julho fui fazer um exame com a certeza que seria uma mera Rotina. Mas após o exame, enquanto me preparava para voltar a sala de espera o médico responsável informa para a Carol que tinha encontrado um pequeno tumor e que, pela aparência era maligno.
Era o início de um duro golpe. Foram necessários mais alguns dias para confirmar o que o médico disse que aparentava mas era isso mesmo. Eu estava com câncer!
Uma palavra forte, que assusta, que impacta e que, naquele momento se intensificava. Como era possível em um dia estar comemorando a alegria, o milagre da vida, e duas semanas depois receber uma notícia que remete ao fato que a vida, a qualquer segundo, a qualquer momento, pode acabar? Eu tive ao mesmo tempo que conviver com a alegria de ser pai e o medo da morte, senão com o medo de um tratamento pesado logo após.
Enquanto me preparava para a cirurgia (um mês) tentava de tudo para me alienar da situação. A maior chance era o Anima Mundi. Ia para as sessões feliz de assistir curtas animados. Mas saia chorando de me dar conta da quantidade de filmes onde o tema "Morte" e "Orfãos" eram frequentes.
Foi aí que, num dos dias do festival, preso num engarrafamento monstro (3 horas na Ayrton Senna) eu resolvo dividir aquela dor com alguns amigos, os meus fraternos de CL, escrevi via Whatsapp enquanto o carro não andava, contei tudo que estava passando, as preparações, o medo de deixar a Carol, de não conhecer a Gabi pessoalmente.
Ali algo mudou, de repente uma tranquilidade bateu no coração. Não era a certeza de que tudo terminaria bem (bem na minha medida) mas era uma tranquilidade de encarar a realidade. Sim. Parecia que alienar seria bom, mas o que ajudou de fato foi encarar o fato! Eu tinha uma doença grave e precisava tratar. Era isso. Não adiantaria ficar pensando na expectativa do que ia ser a vida, do que ia acontecer. Tinha que encarar aquilo.
Os momentos de desespero foram diminuindo aos poucos. Tinha algumas preocupações. Por exemplo como é que a Carol estava encarando aquilo, como o nervosismo, stress, poderia estar influenciando na Gestação da Gabi, como eu iria dar as minhas aulas de agosto (sim gente! Amo demais meus alunos!).
E os momentos de encontro e conversa com as pessoas naquelas semanas antes foram bem marcantes. Nunca imaginaria virar para um amigo dos tempos da adolescência e pedir uma Unção dos Enfermos. Naquele dia confessar, comungar e receber a Unção pelas mãos do amigo Padre Leandro foi um grande presente de Deus. Dar a notícia para os familiares mais próximos também foi outro momento complicado. Eu estava desesperado para ver a reação que Graças a Deus foi surpreendentemente tranquila (pelo menos assim me pareceram). Assim como também dividir com os amigos como o Caio e a Tainah, meus queridos colegas da Faculdade, da Imaculada e Zueiros Nerds.
Mas é claro que, até esses momentos de dor, os episódios cômicos que parecem só acontecer comigo vão acontecer. Foi o caso do caminho até a mesa da cirurgia a um ano atrás. Enquanto levavam-me na maca eu olhava pro teto do hospital, aquelas luzes passando, passando, passando, eu rezava ave-marias e de repente minha cabeça é interrompida por uma voz efusiva de uma enfermeira:
- BOOOOOOOOOOM DIA SENHOR GABRIEL! SEJA BEM-VINDO AO CENTRO CIRÚRGICO!!!
Olhei pra ela e esboçando um sorriso amarelo disse com toda parcimônia
- Moça, não tem como essa frase soar simpática! Mil desculpas. NÃO TEM COMO!!!!
Ela deu uma leve risada, meio sem graça pela minha honestidade mas definitivamente não! Não era hora pra aparentar estar tudo bem.
Sem muitos detalhes, apaguei na mesa, acordei com a notícia que ia pro quarto e lá foram mais cinco dias de muitos momentos legais como a visita dos amigos, reaprender a andar, a respirar, enfim... a tudo.
Nos momentos de fisioterapia eu tinha a oportunidade de ficar no corredor do hospital olhando o Cristo redentor. Esse e os momentos de silêncio eram maravilhosos (e poucos) pois era a oportunidade que eu conseguia me ligar a Deus. Eram oportunidades raras onde pude conversar e principalmente, ouvi-Lo. Não a toa depois o Sr. Mineiro dizia que estava indo me visitar preocupado, querendo dar uma força, se surpreendeu ao entrar no quarto e dizer que meu olhar a ele que o tranquilizava. Ele dizia que eu tava muito em Paz. Era a certeza de estar amparado por Cristo e também no colo de Nossa Senhora.
A Carol, mesmo grávida foi a mais fiel companheira nesses dias. Se recusava a dormir fora. E saia muito raramente do quarto sob muita insistência pra lanchar. ("vai lá dar comida pro nosso filho" eu dizia - ainda não sabiamos se era menino ou menina).
E sozinho eu nunca fiquei. Quantas pessoas me visitaram naqueles dias: Os meus Familiares, os familiares da Carol, Carlinhos, Mineiro, Jean, Nathy, Dani, Forti, Argento, Bezão, Letícia, Cadu, Paulinho, Paulinha, Bernardo, Kopp, Rita, Luiz Felipe, Flávio... Alguns mais de uma vez. Tinha dia que o médico que entrava pra fazer os exames de rotina teve que perguntar "Quem era o Paciênte?" de tanta gente que estava lá.
Sem contar os amigos que a distância rezavam e mandavam mensagens de apoio como o Walter, Rosângela, Adriana, Julia, Fabiano, Bruno, Natalie, Beth, Leandro, Tatiana, Valéria, Gabi, Cris, Alfredo, Dot, Afonso, Marta, Simone, Kátia, Aline, Leo Caldi, Thierry, Ana Paula, Andrea, Mahalo, Mara, Lucio, Nandinho, Poca, Brenno, Luisa, Paixão, Ana Paula (Dinga), Paty, Cadunico, Sami, Fábio, Cid, Karina, Gordeeff, Bruno, Renata, Guilherme, Judith, Vittorio ou seja, os amigos de CL, da Imaculada, da Veiga e do Cecierj. Alguns apenas nem sabiam do que se tratava (e não sabem até agora lendo isso.). Sabiam que eu ia apenas "fazer uma cirurgia" sem saber do que se tratava. E fiquei muito feliz pelo carinho e respeito em não insistir. Pra mim bastava que rezassem e torcessem sem precisar saber de tudo.
E depois desses dias me recuperando e voltando pra casa restou aguardar as notícias. E é claro, esperar era outro tormento,mas as notícias iam vindo aos poucos, e sempre boas: Foi um tempo pra descobrir que tudo na Cirurgia foi um sucesso, mais um tempo pra descobrir que, se tivesse quimio, não ia ser pesada e por fim, praticamente 2 meses depois da cirurgia, veio a notícia que não ia ter quimio, que bastou a cirurgia e agora era acompanhar.
O tempo passou tão rápido que nem dei conta e já se tinha passado cinco meses e já estava dando aula na UVA, trabalhando no Cecierj, comemorando meus 35 anos e já ansioso pelo nascimento da Gabi.
Hoje sou grato por aqueles dias (Como Martin Valverde que
mesmo sabendo que câncer não é capricórnio, foi grato) que me ensinaram a valorizar a importância de estar com quem amo, a importância de não deixar a vida apagar, de saber que a circunstância não apaga a beleza da vida, de evitar ao máximo as anestesias que não fazem sentir. E tudo isso marcou-me a um ano, quando entrei num centro cirúrgico com um Tumor e saí sem ele.
É a vida! pra ser vivida! Em seus pontos altos e baixos. Pois ja dizia o poeta...
"É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
(...)
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro"
Vinícius de Moraes - Samba da Bênção